Pavulagem
(do livro Café com Angu - Crônicas e Outros Poemas. 2007)

              Chegou gente de toda parte da cidade. Belém amanhecia solar, irradiante, uma energia pura, límpida, luz magnífica. O domingo prometia. domingo, ao contrário de sábado, que tem muitas coisas para fazer, é assim, como se fosse só numa direção: Cara de festa, esperança renovada, roupa nova, chinelo de borracha ou de couro. E vamos nós...
              E lá vem, era muita gente chegando, e vem. Muitos pela primeira vez. Vinham de toda parte, do Telégrafo, do Guamá, do Souza, do Benguí, da Pratinha, da Sacramenta, de Val - de - Cans, de Icoaraci. Vinham, chegavam, uns se olhavam distantes, outros olhares se encontravam, sorriam felizes, era a saudade matando, eram amores se encontrando, lembranças do ano passado. “Lá vem, Lá vem, pelas ruas de Belém...” O que é isto? Domingo, um dia qualquer? – Não, Domingo é lindo! Domingo é festa! Domingo é São João, Antonio, Santo casamenteiro, Pedro e Marçal. Domingo, milagre dos dias!
              Ponto de partida, Escadinha! Reencontro dos tambores, rufar das matracas, das vozes, dos amantes. Vai começar a procissão. É divino, é majestoso, a alegria está nos rostos, nos corações. Belém está em festa. É domingo. Lá vem, é multidão, é tropel, é som de trovão em dia e noite de tempestade, é relampejo, é um toró danado caindo de uma só vez. E lá vem, e vem mesmo, e vem, chegando, chegando... Pororoca assanhada arrastando tudo e todos pela frente, não deixando nada, nada para ninguém, nada de ficar triste. Isto é descomunal, é imensurável emoção, lágrimas de alegria, amor pela arte, pelo povo, arte do povo, alegria de viver. Cantar, dançar é a ordem. Nada de ficar parado aí. É proibido ir embora antes de acabar o dia, porque à noite tem mais em outro lugar.
              È de manhã, é domingo, é São João. Vamos nós, de todos os lugares, algo muito bom está nos esperando. Vamos gente... Da Praça Brasil, Batista Campos, Eneida de Moraes, Jaú, Princesa Isabel, Waldemar Henrique, Dalcídio Jurandir, Pescador, Relógio, de todas as praças, vamos chegando, domingo está em festa na Praça da República. A praça é bumbá e fogos queimando os corações de paixão, é Catirina, é Boi. Arrebatam, soltem o corpo e caiam no arrasta pé, quadrilhas, sanfonas, xotes e maracas.
              É sol queimando a manhã, sorrisos, bandeiras coloridas, mastro de São João, lá vem a pororoca chegando. “Vem da lua, vem de Bragança”. É tropel. A terra treme, o povo passa, marcha bonita, moças bonitas, rapazes felizes ao lado delas. Tambores, vozes, matracas, maracas e tudo mais. É Pavulagem em todos os corações.

(Renato Gusmão)

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